terça-feira, 29 de março de 2011

"Epitaphios logos" de Péricles em Tucídides

Primeiros parágrafos da oração fúnebre:
34] Neste mesmo inverno, os ateniense, fazendo uso do seu costume tradicional realizaram, do seguinte modo, os funerais públicos dos que morreram primeiro nesta guerra. 2. Após construir uma tenda, expõem os ossos dos que se foram durante dois dias, e cada um faz oferendas ao seu se quiser. 3. Quando ocorre a procissão, carros conduzem caixões de cipreste, um de cada tribo: neles estão os ossos dos mortos da tribo à qual cada um pertencia. Um esquife, arrumado, é conduzido vazio para os desaparecidos, os quais não foram achados para serem recolhidos.

4. Acompanha quem quer, da cidade ou estrangeiro, e mulheres que são parentes estão presentes até o túmulo, entoando lamentos. 5. Depositam-nos, então, no cemitério público, que se encontra no mais belo subúrbio da cidade, e no mesmo sempre enterram os que tombam na guerra, salvo os de Maratona: como julgaram sua excelência notável, fizeram o túmulo lá mesmo. 6. Quando os enterraram na terra, um homem escolhido pela cidade, o qual não parece ser estúpido quanto ao seu entendimento e se distingue por seu valor, enuncia-lhes um elogio conveniente.

7. Depois disso, partem. Desse modo enterram. Ao longo de toda a guerra, sempre que ocorresse isto, faziam uso do costume. 8. Assim, para estes primeiros, Péricles, filho de Xântipo, foi escolhido para falar. Quando chegou a ocasião, indo do túmulo à tribuna, alta para que fosse ouvido pela maior parte possível da multidão, falou desse modo:

35] "A maioria dos que já falaram aqui louvam quem adicionou esse discurso ao costume, porque é belo que ele seja pronunciado para aqueles que são enterrados por causa das guerras. Para mim, porém, teria parecido ser suficiente, de homens que se tornaram valorosos graças à ação, serem exibidas, por meio de uma ação, as honras (scil. que lhes cabem), como as que agora vedes terem sido preparadas pela cidade nesse funeral; e que as virtudes de muitos por um único não sejam ameaçadas, quer fale bem ou mal, ao ser acreditado.

2. É duro falar na justa medida quando a representação da verdade é dificilmente confirmada. Ao passo que o ouvinte que testemunhou e é benevolente talvez considerasse que algo é mostrado de forma insuficiente em relação àquilo que ele quer e conhece, o inexperiente, que algumas coisas são exageradas – por causa da inveja, se ouvisse algo superior à sua própria natureza. Os elogios enunciados acerca de quaisquer outras pessoas são suportáveis até o ponto que cada um, ele mesmo, crê ser capaz de fazer algo daquilo que ouviu: ao sentirem inveja do que é excessivo neles, 3. passam então a não acreditar. Já que essas coisas, reconhecidas como boas, foram aprovadas pelos antigos desse modo, é necessário que também eu, seguindo o costume, tente alcançar desejo e opinião de cada um de vós tanto quanto possível.

36. Começarei pelos antepassados em primeiro lugar: com efeito, é justo e também adequado, nesta ocasião, que a eles se confira a seguinte honra da lembrança. Essa região, que os mesmos homens, numa sucessão de descendentes, sempre habitaram, até esse momento, graças à excelência deles, foi transmitida livre. 2. Se eles são dignos de louvor, mais ainda nossos pais: depois de adquirir, em adição àquilo que receberam, o domínio (arkhê) que temos, não sem esforço o legaram a nós, os de hoje. 3. A maior parte dele nós mesmos, os que ainda hoje, aproximadamente na meia-idade, estão vivos, desenvolvemos, e a cidade, em todos os sentidos, tornamos muito auto-suficiente (autarkês) tanto para a guerra quanto para a paz.

4. Quanto a mim, as ações que eles e nós executamos durante as guerras, os modos pelos quais cada coisa foi conquistada, se nós mesmos ou nossos pais rechaçamos, com zelo, o inimigo agressor, bárbaro ou heleno – isso deixarei de lado, pois não quero ser prolixo entre pessoas que conhecem; todavia, a partir de que princípios chegamos até esses recursos, com que instituições (politeia) e por causa de que modos de ser eles tornaram-se grandes, isso evidenciarei por primeiro até chegar ao louvor desses aí, considerando que não seria inconveniente, nas circunstâncias presentes, que essas coisas fossem mencionadas e que é útil que toda a multidão, composta tanto por cidadãos quanto por estrangeiros, preste atenção nelas.

37. Com efeito, utilizamos uma forma de governo (politeia) que não emula as leis dos nossos vizinhos, e nós mesmos muito mais somos exemplo para algum do que imitamos outros. Quanto ao nome, pelo fato de não ser administrada (oikein) para poucos, mas para a maioria, democracia ela é chamada; compartilham, todavia, quanto às leis, para as contendas privadas, todos a igualdade, mas, por outro lado, quanto ao mérito (axiôsis), como cada um é reconhecido por alguma coisa, é preferido para as coisas públicas não devido à sua categoria (meros) mais do que devido à sua excelência (aretê), nem, inversamente, quanto à pobreza, se puder fazer algo de bom para a cidade, é impedido devido à obscuridade do seu prestígio (axiôma).

2. Vivemos na cidade (politeuein) livremente (eleutherôs) tanto no que diz respeito às questões públicas quanto em relação à suspeita de uns contra os outros relativa às atividades diárias, não tendo raiva contra o vizinho, se ele faz algo a seu bel-prazer, nem estampando irritação, inócua, porém aflitiva, no semblante. 3. Mesmo mantendo relações privadas sem restrições, nas questões públicas, graças a um medo arrazoado (deos), certamente não agimos contra a lei, devido à obediência a quem esteja ocupando, em qualquer momento, um cargo e às leis, sobretudo àquelas que são estabelecidas para o auxílio dos injustiçados e àquelas que, mesmo não sendo escritas, implicam uma sanção com a qual todos concordam.

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