segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Oração fúnebre (Péricles/Tucídides): parte II

38. Além disso, o maior número de modos de descanso das agruras inventamos para o espírito, fazendo uso, de um lado, de festivais e sacrifícios que se sucedem ao longo do ano inteiro e, de outro, de graciosas instalações privadas cujo deleite afasta, diariamente, a aflição. 2. Devido à grandeza da cidade, são importadas todas as coisas de toda a terra, e ocorre-nos desfrutar os bens produzidos aqui com um prazer que não é mais familiar do que aquele com o qual desfrutamos os dos outros homens.
 
39. Diferimos também dos nossos inimigos nos cuidados com os exercícios de guerra do seguinte modo. Permitimos uma cidade aberta e nunca, expulsando estrangeiros, impedimos alguém de aprender ou ver algo que, se não estivesse escondido e algum dos inimigos o visse, disso poderia tirar vantagem, pois não confiamos mais nos preparativos e engodos do que na nossa coragem inata para a ação; além disso, quanto aos métodos de educação, aqueles, desde jovens, num treinamento penoso, perseguem a virilidade, enquanto nós, vivendo um regime sem constrições, não avançamos menos rumo a perigos equivalentes. 2. Eis uma prova: os lacedemônios não guerreiam sozinhos, mas com todos os outros (scil. “aliados”), contra nossa terra; nós, porém, mesmo que ataquemos nós mesmos a dos vizinhos, não com dificuldade, em terra estrangeira lutando, os que combatem pelas suas próprias posses o mais das vezes dominamos. 3. Contra nossa força conjunta nenhum inimigo se deparou, pois, ao mesmo tempo, damos atenção à nossa frota e enviamos, por terra, parte de nossos próprios homens para muitos lugares: se eles (scil. “os inimigos”) atacam alguma parte, jactam-se, dominando alguns de nós, de terem repelido todos, e, se foram vencidos, de terem sido derrotados por todos. 4. E já que queremos correr riscos com a tranqüilidade mais do que com exercícios penosos e não com a virilidade que advém de leis mais do que dos modos de ser, ocorre que nós não nos extenuamos antecipadamente por causa de aflições futuras e, quando nos deparamos com elas, não nos mostramos menos audazes do que aqueles que sempre sofrem. Nisso nossa cidade é digna de admiração – e ainda em outras coisas.
 
40. Amamos o que é nobre com frugalidade e amamos a sabedoria sem indolência; da riqueza fazemos uso para o instante propício da ação mais do que para a bazófia do discurso, e, quanto à pobreza, não é vergonhoso para ninguém confessá-la, mas não fugir por meio da ação é vergonhosíssimo. 2. É possível, para as mesmas pessoas, o cuidado com as coisas da sua casa e, ao mesmo tempo, com as da cidade, e, para outros, embora se dediquem ao próprio negócio, conhecer de modo não insuficiente o que é pertinente à cidade: com efeito, somos os únicos que não consideramos quem não se ocupa com nenhuma dessas coisas indiferente, mas inútil, e nós mesmos decidimos nossos assuntos ou então ponderamos corretamente acerca deles, não considerando que os discursos sejam um prejuízo às ações, mas o não instruir-se de antemão por meio do discurso antes de dirigir-se por meio da ação ao que é necessário. 3. Portanto, nisso nos distinguimos, pois somos, ao mesmo tempo, especialmente ousados e refletidos naquilo que realizamos, ao passo que, para outros, a estupidez traz coragem, e a reflexão, lentidão. Deveriam corretamente ser julgados como os mais fortes de espírito os que reconhecem as coisas terríveis e as prazerosas do modo mais claro e não se afastam, por causa disso, dos perigos. 4. Quanto à generosidade, opomo-nos à maioria: não procuramos adquirir nossos amigos recebendo algo, mas agindo. Quem age é mais confiável, de sorte que, devido à boa-vontade para com aquele a quem prestou um favor, ele mantém a gratidão que lhe é devida; quem deve é mais indiferente, reconhecendo que retribuirá a generosidade não como um favor, mas como o pagamento de uma dívida. 5. Somos os únicos que, bem menos por causa da reflexão utilitária do que com a confiança própria da liberdade, auxiliamos alguém sem medo.
 
41. Em resumo, digo que essa cidade como um todo instrui a Hélade e que, por si só, parece-me que, dos nossos, o mesmo homem poderia apresentar-se, em vista da maior parte de formas de conduta e com máximas graça e versatilidade, como um indivíduo auto-suficiente. 2. E que nisso não esteja valendo uma bazófia momentânea do discurso mais do que a verdade das ações, isso a própria capacidade da cidade, que adquirimos em virtude daquelas características, indica. 3. Com efeito, é a única das cidades de hoje a demonstrar-se superior ao relato e a única que nem traz irritação ao inimigo agressor por ele sofrer um revés devido a homens de tal qualidade nem gera crítica entre aqueles que a ela se encontram sujeitados de não estarem sendo governados por homens dignos. 4. Por meio de grandiosos provas e de forma alguma apresentando nossa capacidade sem testemunhos, seremos admirados pelos de agora e pelos do futuro, não necessitando adicionalmente, para nada, de um Homero laudatório nem de quem quer que, no momento, agradará com palavras, mas depois a verdade dos fatos prejudicará seus subentendidos, mas tendo forçado, por meio de nossa audácia, todo o mar e terra a tornarem-se acessíveis e em toda a parte tendo estabelecido, em conjunto, lembranças eternas de males e bens. 5. Por essa cidade, considerando justo não serem privados dela, lutando nobremente esses aí pereceram, e é natural que cada um dos que permaneceram vivos queira esforçar-se por ela.
 
42.  Exatamente por isso prolonguei o que se refere à cidade, ensinando que não disputamos a mesma coisa que aqueles para quem nada disto ocorre de forma homóloga e também estabelecendo um elogio, confirmado por meio de provas, daqueles que agora estou mencionando. 2. Dele, de fato, o mais importante foi mencionado: o que cantei em relação à cidade, isso as virtudes desses aí e dos que são do mesmo modo adornaram, e não para muitos dos helenos, como no caso deles, pareceria equivalente o relato às ações. Parece-me que o passamento recente deles evidencia que ele revela a excelência do varão por primeiro ou a assegura no fim. 3. Com efeito, é justo que, mesmo para os que são piores em relação às outras coisas, à coragem viril pela pátria nas guerras seja dada preferência: apagando um mal por meio de um bem, ajudaram de forma pública mais do que prejudicaram por meio de assuntos privados. 4. Desses aí, porém, ninguém foi amolecido por preferir o prazer contínuo da riqueza nem postergou o horror por causa de uma esperança relativa à pobreza, crendo que enriqueceria um dia, se fugisse dela. Tendo descoberto, todavia, que a vingança contra os inimigos é mais desejável do que aquelas coisas e considerado isso o mais belo dos perigos, decidiram, assim mesmo, por um lado, que se vingariam, e, de outro, que adiariam aquelas coisas, à esperança entregando a invisibilidade da prosperidade futura, e, quanto à ação encarada no momento, determinados a confiar em si mesmos, e, considerando que nela a defesa e o sofrimento estão mais presentes do que a rendição e a salvação, fugiram da palavra vergonhosa e suportaram a ação com o corpo, e, por meio da fortuna do mais breve instante e no ápice da fama mais do que no do medo, partiram.

43. E assim esses aí, de um modo digno da cidade, tornaram-se tais (scil. como descrito acima); quanto aos que restaram é necessário, de um lado, que rezem por uma decisão mais segura e,de outro, que, contra os inimigos,  pretendam ter uma que seja, de modo algum, mais medrosa. Examinai não somente por meio de um discurso a utilidade acerca da qual alguém, mencionando o que há de bom na defesa contra os inimigos, discorreria para vós, embora vós mesmos conheceis isso muito bem, mas, principalmente, assisti, dia a dia, nas ações, à força da cidade e tornai-vos amantes dela. Quando para vós ela parecer grande, refleti que, ousando, conhecendo o que é necessário e mantendo a honra nas suas ações, homens conquistaram essas coisas, e, no caso de uma tentativa fracassada, nem por isso julgando digno privar a cidade da excelência deles, mas concedendo a mais bela contribuição para ela. 2. Com efeito, ao entregarem, no interesse de todos, seus corpos, conquistavam, para si próprios, o elogio imperecível e o mais notável túmulo no qual, mais do que eles jazerem, é a fama deles que, em qualquer instante adequado de discurso e de ação, fica para trás sempre-memorável. 3. De fato, dos homens ilustres, toda a terra é o túmulo, e as inscrições sobre estelas sinalizam não somente na sua própria terra, mas em terra estrangeira habita a lembrança não escrita junto a cada um, a da intenção mais do que a da ação. 4. E vós, emulando agora esses homens e considerando que a liberdade é a felicidade, e a coragem, a liberdade, não olhai com receio os perigos inimigos. 5. Os que estão numa situação difícil, para os quais não há expectativa de algo bom, não entregariam a vida com mais justiça, mas sim aqueles para quem a reversão, enquanto estiverem vivos, ainda é um risco, para quem a diferença é a maior, caso fracassarem em algo. 6. Mais dolorosa para o homem corajoso é a desgraça presente na pusilanimidade do que a morte que, acompanhada por vigor e esperança pelo bem coletivo, torna-se imperceptível.
 
44. Por isso os rebentos deles, vós que agora estais presentes, menos do que lamentar, eu exortarei. Eles sabem que foram criados em desgraças de muitas vias: há boa fortuna se alguém obtiver o que há de mais glorioso, a morte, para eles agora, e a dor, para vós; se para alguém foi a vida foi medida com justeza para que nela, igualmente, se fosse feliz e se perecesse. 2. Mas sei que é difícil convencer, já que deles amiúde tereis lembranças por ocasião da boa fortuna de outros, com as quais vós mesmos um dia vos alegrastes: a dor não é sentida pelas coisas boas das quais se foi privado sem experimentar, mas pela qual se perdeu antes de se acostumar a ela. 3. É necessário ser firme, porque há esperança de ter outros meninos; sua idade ainda é para fazer crianças. No âmbito privado, os que vêm depois serão o esquecimento dos que não vivem, e para a cidade será útil de duas maneiras, pelo fato de não estar deserta e pela segurança: não é possível tomarem decisões de modo justo ou eqüitativo os que correm riscos se não exporem, igualmente, seus filhos ao perigo. 4. Vós, por sua vez, que não estais mais na flor da idade, considerai que a maior parte da vossa vida, durante a qual fostes afortunados, foi lucro, e que esta será curta, e aliviai-vos por meio da glória deles. Somente o amor pela honra é imperecível, e na idade inútil não é lucrar, como dizem alguns, mas ser honrado o que agrada mais.
 
45. Para os filhos e irmãos deles – vós que estais presentes – vejo uma grande disputa (cada um tem o costume de louvar quem não está mais vivo), e dificilmente, devido à extrema excelência deles, seríeis iguais, mas julgados piores em pouca coisa. A inveja dos vivos é em direção à competição, mas o que não está no caminho é louvado com uma benevolência sem antagonismos. 2. E se é necessário que eu mencione algo relativo à excelência feminina daquelas que agora são viúvas, com uma curta exortação indicarei tudo. Ao não vos tornardes piores que a vossa natureza subjacente há grande glória para vós, e grande a daquela cuja fama, em virtude da excelência e do reproche, se espraiar o menos possível entre o sexo masculino. 46. Assim foi dito, também por mim, quanto ao discurso, segundo o costume, o que sei de conveniente, e, quanto à ação, os que são enterrados receberam suas honras pertinentes e seus filhos a cidade, a partir de agora, publicamente nutrirá até a adolescência, oferecendo uma coroa útil para eles e para os sobreviventes por causa dessas disputas: aqueles por meio dos quais os maiores prêmios pela excelência são estabelecidos, para eles os melhores homens vivem na cidade. 2. Agora, depois de prantear quem é conveniente para cada um, parti.

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