terça-feira, 5 de abril de 2011

Como as folhas, assim os homens: Ilíada, canto 6

[Encontro entre um aliado troiano, o lício Glauco, e o super-herói Diomedes. Repare nas histórias embutidas que cada um utiliza (para se destacar diante do outro?)]

E Glauco, filho de Hipóloco, e o filho de Tideu
no meio de ambos se encontraram, sôfregos por pelejar.
Quando estavam próximos, indo um contra o outro,
àquele primeiro dirigiu-se Diomedes bom-no-grito:
"Quem és tu, distinto, entre os homens mortais?
De fato, nunca te vi na peleja engrandecedora
no início; mas agora vens bem na frente de todos
com tua audácia, pois lança sombra-longa aguentaste.
Filhos de infelizes com meu ímpeto topam.
Mas se como um dos imortais do páramo desceste,
eu não pelejaria contra deuses celestes.
Pois nem mesmo o filho de Drias, o forte Licurgo, não
muito tempo viveu, ele que brigou com deuses celestes;
ele, um dia, as amas de Dioniso, que estava em êxtase,
afugentou o mui sacro monte Nisa abaixo; elas todas junto
deixaram tombar adereços no chão, pelo homicida Licurgo
golpeadas com aguilhão bovino. Dioniso, amedrontado,
mergulhou na onda do mar, e Tétis no colo acolheu-o,
temeroso: forte tremor o tomou com o grito do varão.
Então odiaram-no os deuses de vida tranquila,
e o filho de Crono deixou-o cego; não mais muito tempo
viveu, pois detestaram-no todos os deuses imortais.
E eu não quereria pelejar contra deuses ditosos.
Se és um mortal dos que comem o fruto do solo,
vem mais perto para mais rápido chegar ao limite da ruína."
E a ele dirigiu-se o ilustre filho de Hipóloco:
"Animoso Tidida, por que perguntas a linhagem?
Tal como a linhagem das folhas também é a de varões.
Folhas, umas o vento joga no chão, e outras o bosque
em flor gera, e vem depois a estação primaveril;
assim a linhagem de varões cresce e então cessa.
Se queres também isso aprender para bem saberes
da nossa linhagem, muitos varões a conhecem:
há uma cidade, Éfira, no interior de Argos nutre-potro,
onde Sísifo vivia, ele que foi o mais arguto dos varões,
o Aiolida Sísifo; eis que ele a Glauco como filho gerou,
e Glauco gerou o impecável Belerofonte.
A ele os deuses beleza e encantadora virilidade
ofertaram; e Proitos armou-lhe vilezas no ânimo,
ele que, por ser muito superior, o expulsou da região
dos argivos: Zeus subordinara-os ao seu cetro.
Por ele apaixonou-se a esposa de Proito, divina Anteia,
para unir-se em amor secreto; mas a ele de modo algum
persuadiu, o bem-intencionado, aguerrido Belerofonte.
E ela uma mentira ao rei Proito disse:
‘Morras, Proito, ou mate Belerofonte,
que comigo quis unir-se em amor, eu não querendo’.
Assim falou, e a ele, o senhor, fúria tomou ao isso ouvir.
Matá-lo evitou, pois disso tinha pudor no ânimo,
enviou-o à Lícia e entregou-lhe sinais funestos
que riscara em uma tábua, muitos, tira-via;
ordenou-lhe que mostrasse a seu sogro para ser morto.
E ele foi à Licia sob a condução impecável de deuses.
Mas quando a Lícia atingiu e o Xantos corrente,
e a ele, solícito, honrava o rei da ampla Lícia:
nove dias o hospedou e nove bois sacrificou.
Mas quando, no décimo, surgiu Aurora dedos-róseos,
nisso indagou-lhe e pediu para ver o sinal
que do genro Proito consigo trouxera-lhe.
Depois que recebera o maligno sinal do genro,
por primeiro ordenou-lhe que a indômita Quimera
matasse: ela era de linhagem divina e não dos homens,
na frente, leão, atrás, serpente, no meio, cabra,
soprando o fero ímpeto do fogo chamejante,
e a ela matou, confiante nos prodígios dos deuses.
Por segundo, combateu os majestosos solimos:
o combate com varões mais duro, dizia, no qual entrou.
Por terceiro, matou as Amazonas vale-homem.
Ao voltar, contra ele teceu outro truque cerrado:
escolheu, da ampla Lícia, os melhores heróis
e montou uma tocaia. Eles de volta à casa não retornaram.
De fato, a todos matou o impecável Belerofonte.
Mas ao reconhecer que era nobre rebento de um deus
lá mesmo o reteve, ofertou-lhe sua filha
e deu-lhe a honraria da realeza, metade de toda.
E os lícios separaram-lhe um domínio, superior aos outros,
belo, com pomar e lavoura, para que dela dispusesse.
E ela gerou três crianças para o aguerrido Belerofonte,
Isandro, Hipóloco e Laodameia.
Junto à Laodameia deitou-se o astuto Zeus,
e ela gerou o excelso Sarpédon elmo-brônzeo.
Mas quando também ele foi odiado por todos os deuses,
então ele pela planície Vaga, sozinho, vagou,
comendo seu ânimo, evitando a senda dos homens;
a Isandro, seu filho, Ares, insaciável na guerra,
matou ao combater os majestosos solimos;
Àquela, encolerizada, matou Ártemis rédea-dourada.
E Hipóloco me gerou, e dele afirmo originar-me.
Enviou-se a Troia e, com insistência, me impôs
sempre ser excelente e proeminente entre os outros
e não vexar a família dos antepassados, os melhores
disparado que foram em Éfira e na ampla Lícia.
desse linhagem e sangue proclamo ser."

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