segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Penélope e o cortejo dos pretendentes

Quando começa a Odisseia, Penélope tem duas opções: voltar para a casa do pai e, na sequência, casar, o que ela não quer; ficar em Ítaca, na casa de Odisseu, e sofrer a pressão de se casar o mais rápido possível.


Não é claro quão ativa ou passiva é Penélope, ou seja, até que medida ela apenas sofre a pressão dos pretendentes ou consegue controlar sua vida, ou seja, seu casamento. No segundo caso, ela precisa enfrentar o filho, que quer perder o mínimo possível de seus bens, os pretendentes, que querem casar o mais rápido possível (o que é razoável), e a a opinião da comunidade, pois não existe certeza que Odisseu está morto.

Um excelente artigo que discute a representação de Penélope é FLAIG, Egon (1995) "Tödliches Freien: Penelopes Ruhm, Telemachs Status und die sozialen Normen." Historische Anthropologie 3: 364-88.
Para o autor, há um conflito insolúvel na Odisseia (por isso a comunidade não age): Penélope busca o máximo de renome; Telêmaco quer manter o máximo do poder e riqueza do pai; os pretendentes querem forçar Penélope a casar o mais rápido possível. Penélope age contra as regras da nobreza, e os pretendentes usam de violência inaudita.

Abaixo, algumas passagens da Odisseia onde se fala sobre o dilema (entre parênteses, quem fala):

1.249 (Telêmaco): Penélope poderia recuar-se a casar. Mas isso ela não quer. Para Telêmaco, trata-se de um casamento odioso (para de Jong, focalização de Penélope, ou seja, ela considera o casamento ‘odioso’, não Telêmaco), supostamente porque ainda há uma possibilidade que o pai esteja vivo.

1.275 (Atena): se o ânimo de Penélope a impele a ser desposada, deveria ir para a casa do pai.
1.292: se Telêmaco ouvir que o pai está morto, Telêmaco deve realizar os ritos e entregar a mãe, o que sugere que somente com a certeza da morte do pai, Telêmaco pode passar a herdeiro.

2.50 Telêmaco apresenta uma visão diferente, talvez por questões retóricas (cf. de Jong): a mãe é atacada, cercada, contra sua vontade.
2.52-4: os pretendentes deveriam cortejar Penélope junto ao pai dela, Icário, mas disso têm medo.

2.85ss. (Antínoo): a grande culpada dos males que assolam Telêmaco é Penélope. Ela engana o ânimo dos pretendentes há 4 anos.
Difícil não concordar que os versos seguintes (91-2; repetidos mais tarde por Atena!) indiquem que Penélope diz aos pretendentes que quer casar: "A todos dá esperança e faz promessas a cada varão, / enviando recados; e sua mente concebe outras coisas." O verso 96 deixa claro que ela se declarou viúva.

2.111-14: Antínoo propõe que Telêmaco envie a mãe para o pai, ou seja, que Telêmaco aja como senhor da sua casa, já que a pressão exercida sobre Penélope não faz efeito. Com isso, os pretendentes também encerrariam o conflito com a comunidade.

13.377-80 (Atena para Odisseu): "que (sc. os pretendentes), em tua morada, por três anos, arrogam-se senhores, / cortejando tua excelsa esposa e presentes oferecendo; / ela, chorando sempre pelo teu retorno no ânimo, / a todos dá esperança e faz promessas a cada varão."
Flaig 372 insiste na importância dos presentes dados a Penélope; aceitando-os sem querer dar nada em troca, ela está agindo contra as normas aristocráticas.

16.126-7 (Telêmaco para o Cretense): "Ela, nem recusar o odioso casamento nem completá-lo, / disso não é capaz...". Isso claramente indica que Penélope poderia interromper a corte se ela quisesse, ou seja, foi ela que a iniciou.

18.301-3: os presentes que Penélope consegue dos pretendentes são levados para seu quarto, não para a câmara de riquezas da casa. Flaig 365 defende que Penélope levaria esses valiosos presentes junto consigo quando casasse. Com isso, há transgressão de Penélope, já que para esse autor os presentes vão para o kurios que confere um dote à noiva. Mas não é Telêmaco, desde o canto 2, o kurios de Penélope?

21.75-9: pela primeira vez é dito que Penélope sairá da casa de Odisseu com seu marido (Flaig 375)

24.126-7 (Anfimédon para Agamêmnon no Hades): "ela nem recusava o odioso casamento nem o completava, / p
lanejando para nós a morte e a negra perdição. »

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