segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

John K. Davies: a historiografia da Grécia Arcaica (cap. 1 'Companion to Archaic Greece')


A armadilha da terminologia: arcaico (escolhido sob a perspectiva de uma Grécia Clássica) não é um termo bom para uma época efervescente. As datas também são enganadoras (dos 1os Jogos Olímpicos às Guerras Pérsicas).

Três estilos ou correntes na moderna historiografia da Grécia Arcaica (=GA): o instituído pelos historiadores antigos (baseado sobretudo em fontes literárias, épica e lírica); o dos historiadores culturais; o dos arqueólogos. Os 3 começaram a convergir a partir de 1980.

As narrativas em grande escala

Adotada pelos historiadores antigos, uma forma de arte no sec. 18. Para a GA, como narrar se só se tem fragmentos e um monte de mitos? Lendo-os de forma simbólica ou reestoricizando-os. Cf. os seguintes projetos, cada um condicionado por diferentes interesses acadêmicos, políticas nacionais e fontes materiais disponíveis, entre outros fatores: George Grote (História da Grécia, 1846-56: sobretudo documentos literários); Georg Busolt (História Grega 1893-1904, 2a ed.: influência da arqueologia); K. J. Beloch (História Grega, 1912-27, 2a ed.: ensaio interpretativo; racista; ceticismo com as informações da tradição antiquária). Nesse momento, a enxurrada de inscrições entre outras fontes tornou impossível o conhecimento da história por um só indivíduo. Com isso, as editoras passam a privilegiar monografias por especialistas englobando períodos de até 3 séculos. Outra forma foi o multi-volume multi-autoral, como o The Cambridge Ancient History, via de regra, com capitulos englobando regiões geográficas definidas. É mais recente a narrativa de regiões cujo conhecimento parte de poucas fontes literárias, exigindo a integração entre arqueologia e história (por ex., N da Grécia).

História cultural

Tentativas de construir a moldura (frame) das grandes narrativas, ou seja, as experiências dos indivíduos. No sec. 19, geralmente a partir de fontes literárias. O pai de todos é Jacob Burckhardt (História da cultura grega): uso da religião (cultos, mitos) + arte e literatura grega para retratar a sensibilidade e experiência grega, em especial, rejeitando a tirania dos fatos históricos para identificar mentalidades, padrões e crenças [sim, não é por acaso que você lembrou do Vernant].

Mas o sec. 20 foi um cipoal de tendências; por ex., no caso da religião: Martin Nilsson (cultos e práticas religiosas como áreas da vida mais ou menos autônomas); seguidores de Durkheim (religião grega fortemente embutida na sociedade, manipulada por políticos e servindo, sobretudo, interesses da comunidade); seguidores de Freud e, depois, de Lévi-Strauss (simbolismos atemporais); os que levam o papel da espiritualidade a sério (oráculos; cultos de mistério) etc.

História cultural marxista, interessada, por ex., na vida fora dos centros urbanos; "comércio internacional"; adoção (ou não) da moeda; alimentação (simpósios e outros eventos coletivos, em especial, das relações humanas pressupostas). No caso dessas relações humanas destaca-se: realeza (sobrevivência ou reinvenção pós-homérica); aristocracia (difícil de definir, salvo através de um conjunto solto de modos de comportamento permitido a uma classe ociosa ["leisure class"] que vivia de renda, por ex., a cultura da competição física); ascensão da polis (estudos começaram em 1937; destaque para o Copenhagen Polis Project) e a ideia de cidadania.

Editorialmente, destaque para os multi-volumes coletivos italianos Storia e civiltà dei Greci e I Greci, o segundo marcado pelo interesse pela recepção da cultura grega. Ambos se caracterizam por uma tentativa de reunificação após um século de especializações crescentes.

A evidência física

A mais importante e inovadora, compreende o estudo de sítios e artefatos. Não há textos prontos: as evidências primeiro precisam ser achadas, estudadas, classificadas e publicadas.
Na história da ciência, os objetos vieram primeiro. Primeiro foram determinantes os interesses do historiador da arte. No séc. 19, com o aumento do material, a cerâmica recebeu destaque (estilos; procedência).
A partir de 1870, grandes escolas de arqueologia exploraram os principais sítios acessíveis (Acrópole de Atenas – já desde 1830 –, santuários, cemitérios, agrupamentos populacionais mais importantes).

A história continua: a partir de 1970, as 3 correntes passaram a perceber a necessidade da cooperação. Com diferenciações teóricas crescentes na interpretação dos textos, estes passaram a ser fontes mais complicadas para o historiador utilizar (isso vale não só para Homero, mas também para Heródoto).
Uma das alternativas é o estudo das palavras complexas (timê, hubris, aidôs...) que refletem o comportamento e os "valores" da classe ociosa ou o desenvolvimento jurídico (dikê, nomos). Outra alternativa é o estudo das imagens como "representações conscientes ou inconscientes do que indivíduos ou grupos sentiram como projeções apropriadas de suas identidades". Outra foi um novo interesse na influência do Oriente. Novas visões da cidade, especialmente daquelas que não produziram muita documentação literária.

Atenas e Esparta têm sido os focos principais. Nada mais da "miragem espartana" e da sua sociedade militarista conservadora: a Lacônia como uma região economicamente coerente e a sociedade e governo espartanos mais próximos do mainstream grego. Atenas e o desenvolvimento da democracia (reformas de Clístenes) também geraram vários trabalhos, por ex., sobre os limites do termo "democracia" e a comparação com a democracia moderna.

Seis (meta)narrativas: Grécia Arcaica (Snodgrass, 1980); problema do letramento; mudanças nas tecnologias de guerra (armadura hoplítica bem estabelecida no fim do séc. 8); períodos (Idade do Ferro; Creta Arcaica) e lugares (N da Grécia; ilhas; partes menos glamurosas do Peloponeso) negligenciados estão sendo resgatados; o artesão e as habilidades tecnológicas (produção e trabalho); um olhar de trás para frente (sobretudo do arqueólogo ou influenciado por ele: fronteira, não muito clara, sendo dissolvida entre Idade das Trevas e Época Arcaica). Consequências para os estudos sobre colonização (mais desorganizada e individualizada). Etnicidade: o termo "grego" é um anacronismo para as gerações anteriores às Guerras Pérsicas e talvez até mesmo para as anteriores a Heródoto.

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