domingo, 20 de março de 2011

Fórmula na poesia oral

No século XX, o nome mais influente a defender a dicção oral dos poemas homéricos foi Milman Parry (‘The traditional epithet in Homer’; ‘Homeric formulae and Homeric metre’).

Primeira tese forte importante – já presente em precursores – é a vinculação dos poemas a uma tradição. Mas Parry insiste que se trata da herança de uma técnica de composição cujo elemento fundamental é a fórmula.

O metro (o hexâmetro datílico homérico) é a precondição teórica da fórmula. Parry notou que palavras e frases são recorrentes geralmente em posição fixa, nos mesmos cola (plural de colon, um determinado intervalo métrico). Ele deu destaque ao exame de epítetos e seus substantivos, por exemplo, "senhor dos homens Agamêmnon" (semanticamente, =Agamêmnon); "Aquiles de pés ligeiros" (=Aquiles). O poeta, ao optar por determinada fórmula, faria sua seleção por critérios de versificação, não de sentido.

Definição de fórmula de Parry: "um grupo de palavras empregadas regularmente sob as mesmas condições métricas para expressar uma ideia essencial dada". As fórmulas são sintagmas criados para facilitar a tarefa do poeta que compõe em hexâmetros. Elas ocorrem por fazer parte da tradição; elas são a tradição.

Ideia essencial: aquilo que permanece depois que se retirou da expressão tudo que foi utilizado apenas por conta do estilo. Por exemplo: Atena, em "Atena, a deusa de olhos de coruja/glaucos" ou "Atena de olhos glaucos".

Princípio de economia: para uma ideia dada dentro de um determinado espaço no verso, tenderá a haver uma e somente uma fórmula no vasto arcabouço de fórmulas. A economia de um sistema depende de um número baixo de frases intercambiáveis. [para dizer x no espaço métrico y o poeta somente dispõe da fórmula z].

Parry propõe que o modelo de composição de Homero seria o de fórmulas sendo postas em determinados padrões de frases: fórmula tornou-se qualquer tipo de agrupamento de palavras repetido. Quando Parry e seus seguidores não demonstravam que determinada expressão era uma fórmula, presumiam-no. Esse modelo implicava que muito pouco do que os versos continham não seria dicção formular (total formularidade).

Para esse tipo de composição, a memória não é a única habilidade requerida – nem a principal. Para Albert B. Lord, discípulo de Parry (que morreu precocemente) a memória era menos importante que a recriação durante a performance. Além disso, os estudos em outras sociedades mostram não haver uma necessidade cultural para grande acuidade na reprodução (como na transmissão de textos religiosos).

A poesia oral não é uma improvisação, a não ser que se dê um sentido específico a "improvisação", qual seja, o sentido que tem no jazz (blocos pré-existentes de material são habilmente juntados ou modificados em novas formas). O melhor poeta é melhor improvisador onde a tradição não lhe oferece blocos muitos estáveis. Improvisação não é criação ex-nihilo: o poeta deve conhecer a tradição para poder improvisar.

Para Parry, as fórmulas, mais do que facilitar a memorização, facilitam a improvisação (como definida acima); elas possibilitam um intervalo maior ou menor de tempo para o poeta pensar ou até mesmo "descansar".

Um dos que aperfeiçoaram o modelo de Parry-Lord foi Gregory Nagy (por ex., em "Formula and meter", em Greek Mythology and Poetics), onde sublinha a conexão do epíteto com um tema particular e a importância da sua localização métrica. O regulador primeiro do epíteto homérico e da fórmula é o tema tradicional, mais do que o metro. Portanto, o epíteto nunca é contextualmente inapropriado.

Podas ôkus Akhilleus (Aquiles de pés ligeiros):

1. Sempre é contextualmente apropriado na Ilíada, pois caracteriza Aquiles como guerreiro;mais apropriado – tem uma motivação contextual mais precisa – no cto. XXII, quando Aquiles persegue Heitor;

2. igualmente no cto I, na querela: Agamêmnon é evocado como anax andrôn (senhor de homens), portanto, como chefe político, não como um guerreiro; a partir do contraste dos epítetos, percebemos que Agamêmnon tem o poder para privar Aquiles de seu presente e, assim, desonrá-lo.

3. Ilíada 1, 417: Tétis chama Aquiles de ôkumoros, "com rápido destino" (ele corre rapidamente rumo a sua morte).

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