ornuth’, hin’ athanatoisi phoôs pheroi êde brotoisin
Aurora do leito saiu, de junto do ilustre Títono
ergueu-se, para luz a imortais levar, e a mortais;
A formulação "Aurora.../lançou-se..." (ou "...Aurora/lançou-se...") não é incomum na poesia épica, mas o restante da formulação sim. As diferenças com a bem mais comum "Quando a nasce-cedo surgiu, Aurora dedos-róseos" são muitas (na formulação mais comum, que ocupa um hexâmetro inteiro, a unidade sintática é idêntica à unidade poética, já que há um verbo presente). No caso da passagem do canto 5, o poeta repete e varia, o que é particularmente significativo para sua audiência.
Para Ahuvia Kahane, uma razão para evitar o verbo é emoldurar o verbo pelos nomes da deusa e do mortal, produzindo um lento ritmo espondaico (cada pé com duas longas) para expressar o nome do amante, acompanhado de um epíteto.
O verbo que inicia o verso 2 é um "runover word", palavra em enjambement (cavalgamento) com o verso precedente e seguido imediatamente por uma pausa.
A discussão sobre os aspectos técnicos e literários do uso do enjambement na poesia homérica é complexa e extensa. Um dos seus problemas é a tentativa de achar para ele um único efeito geral (Kahane 1994: 36, n. 46). A noção de ênfase, por exemplo, é muito estreita.
Parry define enjambement não periódico (Parry 1971: 253) como aquele onde o fim do verso coincide com uma pausa de sentido mas não com o fim de uma sentença:
"Zeus pai e outros ditosos deuses sempre vivos,
nunca mais alguém seja solícito, suave e amigável
como rei porta-cetro, nem, no juízo, saiba o medido",
onde "como rei porta-cetro" está em enjambement.
Homero parece tentar evitar enjambement periódico (necessário) - é aquele no início do verso 2 -, no qual a sentença está incompleta no fim do hexâmetro e precisa ser concluída ns linha seguinte.
Voltando aos dois versos do canto 5, brotoisin ("a mortais") aparece regularmente nessa posição; somente aqui com athanatoisi ("a imortais"; termo também comum, mas não particularmente nesse posição, e mais frequentemente com theoisi). Ora, esses dois versos já introduzem o tema central do canto, a separação entre deuses e mortais e a (im)possibilidade de imortalização. Forma e contéudo se espelham.
KAHANE, Ahuvia (1994) The Interpretation of Order: A Study in the Poetics of Homeric Repetition. Oxford: Oxford University Press
PARRY, M. (1971) The Making of Homeric Verse: The Collected Papers of Milman Parry. (org. A. Parry). Oxford: Oxford University Press
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