domingo, 13 de março de 2011

Justiça entre animais: uma “fábula” em Hesíodo

A passagem abaixo, de Hesíodo (Trabalhos e dias), talvez fosse conhecida do público do poema de Arquíloco que continha a história da águia e da raposa. De qualquer forma, as formulações de ambas as histórias são ligadas a determinadas concepções de justiça.

Para essa interpretação intertextual, cf. o excelente artigo de Elizabeth Irwin que já citei em outro post [http://poesiagrega.blogspot.com/2011/02/etica-e-estetica-da-vinganca-arquiloco.html].

A moral da fábula hesiódica, que precisa ser compreendida a partir da passagem do poema em que é inserida, não é clara; deve dizer respeito a Hesíodo, seu irmão Perses e os reis.

Agora história aos reis contarei, eles mesmos, atentos;
assim dirigiu-se o falcão ao rouxinol pescoço-variegado
que, muito no alto, entre nuvens, levava, dominando.
Aquele, tristemente, transpassado por garras recurvas,
chorava, e este, sobranceiro, a ele o discurso falou:
"Insano, por que guinchas? Tem-te um muito melhor;
irás para onde eu te levar, embora sendo um cantor;
refeição, se quiser, te tornarei, ou te libertarei.
Insensato o que quer a mais fortes contrapor-se;
privado da vitória, além da vergonha, sofre aflições."
Assim falou o falcão voa-ligeiro, ave asa-comprida.
Ó Perses, tu escuta a justiça e não aumenta a desmedida:
a desmedida é nociva para o mortal miserável...
(...)
Essa norma para os homens o Cronida atribuiu,
para os peixes, feras e aves aladas
comer-se mutuamente, pois justiça não há entre eles;
para os homens deu a justiça, ela que a melhor coisa
se mostra ...

Paula da Cunha Corrêa, em Um bestiário arcaico, também explora algumas relações entre as duas fábulas ao discutir os fragmentos de Arquíloco.

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