segunda-feira, 7 de março de 2011

Ian Morris: A revolução do séc. 8 [CAG]

Defende que há poucos momentos na história mundial antes da revolução industrial que testemunharam uma mudança tão grande em 100 anos (800-700). O modelo de Snodgrass (1980: revolução estrutural) foi criticado nos anos 1990, mas, em linhas gerais, permanece: demografia, formação do estado, conflito social.
Pano de fundo: a Idade Obscura (Dark Age). A vida na Grécia nesse período (1100-750) foi mais miserável que em qualquer outra época na antiguidade.

Economia

Demografia: a população da Grécia (bacia do Egeu e colônias) provavelmente dobrou no séc. 8 (condições climáticas devem ter contribuído bastante entre 850 e 750). Como os problemas advindos disso foram solucionados?

Respostas: produção mais intensa nas terras agrícolas. Crescimento da irrigação e da arboricultura. Aumento na área usada para plantação.
Exemplo clássico de colonização ‘externa’ é Esparta, que conquistou a Lacônia (séc. 9) e a Messênia (provavelmente em 720) e transformou a população em helotas. Colonização: é possível que já em 700 trigo siciliano estivesse sendo exportado para o Egeu.

Padrão de vida: tamanho médio das casas entre 45-50 m2 (sécs. 8-7), crescendo nos sécs. seguintes. Banheiras reaparecem no séc. 7 após terem desaparecido no fim da Idade de Bronze.

Tendências econômicas gerais: produção mais intensa e extensa e reorganizada; elevadíssimo e contínuo aumento do consumo agregado e per capita.

Estruturas sociais

Formação do estado
Criação de comunidades de alguma forma mais organizadas e centralizadas. Não podemos ter certeza sobre a organização política referente a territórios maiores anterior ao séc. 8: possível presença de confederações, envolvendo vários chefes locais, com propósitos de defesa, religiosos e talvez comerciais.

Morris adota a definição de estado de Tilly 1992: "organizações controladoras da coerção distintas de grupos baseados na família ou no parentesco e que exercem uma prioridade clara em algumas esferas sobre todas as outras formas de organização no interior de territórios substanciais. O termo, portanto, inclui cidades-estado, impérios, teocracias e muitas outras formas de governo, mas exclui tribos, famílias e igrejas".

São muitos os desafios que as mudanças verificadas no período colocaram para os líderes, por ex., a definição das fronteiras sobre as quais seria responsável uma determinada organização política e a definição dos poderes locais em relação àqueles supralocais. Conflitos, claro, foram inevitáveis.
A guerra certamente deve ter sido o catalisador imediato: conselhos de basileis deveriam poder enfrentar vizinhos mais efetivos. A Ilíada e a Odisseia podem ser lidas como histórias que alertam para o custo de conflitos internos à elite.

As formas de organização política variam. Houve uma tendência geral de tornar os velhos basileis regionais chefes nominais ou oficiais anuais eleitos a partir de um colégio aristocrático. Esparta, com seus dois reis, era uma exceção.
As instituições do estado foram sempre fracas; o estado, pobre. Na guerra, por ex., cada indivíduo era responsável por suas armas; as fortificações eram simples; não existe armada antes de 550. De forma geral, o estado fazia pouco.

Igualitarismo
"A força do igualitarismo masculino e solidariedade comunal em face àqueles que poderiam tornar-se líderes foi a mais atípica e a mais importante característica da sociedade arcaica."

Um novo sistema ritual formou-se no Egeu central em torno de 1000: funerais notáveis dos ricos; adoração dos deuses, em grande parte, desloca-se para dentro da casa dos chefes. A expansão a partir de 900 desafiou esse sistema e, em 750, ele estava acabado. Novos rituais, mais abertos, competitivos e variados, floresceram: grandes cemitérios para toda a população; proliferação de santuários a céu aberto.

Aparentemente, só no Egeu, em todo o Mediterrâneo, as novas condições do séc. 8 não produziram reis fortes, mas colegiados oligárquicos. Em 650, todo aquele que se tornasse rei era um tyrannos, um usurpador ilegítimo. Morris explica esse trajeto rumo à cidade masculina, não à realeza, por meio de 4 fatores:

História: em 750, tradição de 250 anos de uma elite homogênea: barreira ideológica para a centralização do poder.
Economia: na Grécia arcaica não havia homens muito ricos; se houve, não deixou sinal de sua riqueza.
Guerra: a impressão é que Homero contou histórias de como grandes heróis deveriam agir em contraste com a realidade contemporânea de exércitos com infantarias em massa.
Religião: quase total ausência, no Egeu, de monarquias divinas e castas de sacerdotes. Separação entre poder secular e divino entre 750 e 700.

Com a fragmentação da aristocracia da Época Obscura no séc. 8, apelos aos pobres tornaram-se cada vez mais importantes. Para nenhum membro da elite se sobressair em relação aos outros, produziu-se o colapso da fronteira entre elite e não-elite. Com isso, criou-se uma nova versão de cidadão e de polis.

"Os conflitos do final do séc. 8 transformaram velhas noções sobre classe, gênero, etnicidade, passado, oriente e deuses em duas ideologias largamente opostas que eu chamei de ‘média’ (middling) e ‘elitista’ [um modelo bem mais simples que a realidade] "

O núcleo da idelogia média era de que todos os homens locais eram mais ou menos iguais, e todo o resto (mulheres, populações orientais, heróis...) eram completamente diferente. Os elitistas, ao contrário, defendiam sua diferença por meio de conexões divinas, orientais e heróicas. Os poetas médios eram ricos cantando para ricos, não protodemocratas.

Cultura

Historiadores da arte geralmente falam do séc. 8 tardio como um período orientalizante, mas o desenvolvimento mais significativo foi a reutilização de técnicas do Oriente Próximo como resposta aos problemas colocados pelos conflitos entre as ideologias média e elitista.

Alfabeto grego, desenvolvido em torno de 750. Morris defende que já em torno de 700 os poemas homéricos e hesiódicos teriam sido escritos, concordando com Powell que a principal razão para o desenvolvimento do alfabeto foi para fixar por escrito relatos sobre o passado, em uma época em que a relação entre passado e presente tornou-se agudamente importante.

As primeiras cenas humanas nos vasos que conhecemos talvez sejam heroicizantes (Snodgrass). Muito dos mitos gregos também podem ser localizado no Oriente Próximo.

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